segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

ANISTIA: AMPLA GERAL E IRRESTRITA

Artigo recente, publicado em ZH (20/01/2011), argumentou que a lei de anistia foi votada por um congresso eleito pelas regras do AI-5, com maioria arenista, fato que supostamente a qualificaria como um mero gesto de auto-condescendência do regime militar para consigo mesmo; (ii) descarta, a relevância jurídica da Emenda Constitucional nº 26 de 1985 para a fundação da nova ordem constitucional: e, (iii) conclui que a Constituição de 1988, tendo tratado apenas da reparação econômica aos anistiados por razões estritamente políticas, teria revogado o caráter mais abrangente das normas anteriores.
Perante a História, essa retrospectiva, é substancialmente, falsa. Reescreve o episódio das lutas populares no Brasil, no capítulo da anistia, pela simples fotografia do ano de 1979. Desconhece o seu contexto e processo. E, por essa via, remete ao esquecimento o fato, que o movimento nacional pela ANISTIA AMPLA, GERAL E IRRESTRITA, iniciado nos anos 70, teve continuidade numa sucessão de eventos que culminam com a promulgação da Carta de 1988.
Juridicamente, a invocação do art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias de 1988 (ADCT), como critério único de abrangência do instituto da anistia, é ainda mais falaciosa. De fato, a Lei 6.683 de 26 de agosto de 1979, foi um edito capenga. Ao mesmo tempo que anistiou os agentes da repressão política, excluiu da sua abrangência os opositores ao regime condenados por terrorismo, assalto, seqüestro e atentado pessoal. Por isso mesmo, o movimento pela anistia não acabou em 1979, mas somente realizou seu desideratum pleno, no ato pré-constitutivo da ordem jurídica vigente, que foi a CONVOCATÓRIA da Assembléia Nacional Constituinte de 1987/88.
Foi a Emenda Constitucional nº 26 de 1985, promulgada por um Congresso multipartidário, com maioria de oposição, em regime de governo civil, que estendeu a anistia aos integrantes da oposição armada ao regime militar. Foi assim que se instituiu, no próprio Ato Convocatório da Assembléia Nacional Constituinte, a ANISTIA vigente: AMPLA, GERAL E IRRESTRITA. Isso que a qualifica, como uma condição jurídico-política fundante da nossa reconstitucionalização democrática. 
Sustentar que o conteúdo normativo da Emenda nº 26/85 seria irrelevante e que teria sido revogado, ou não recepcionado pela Carta de 1988, antes de tudo, é uma petição de princípios. Pois, não existe a possibilidade jurídica da interpretação e aplicação de uma Constituição, cuja legitimidade se pretende erodir pela nulificação dos termos da sua Convocatória.
Já a intenção indisfarçável de, assim, excluir do pálio da anistia aos agentes da repressão política do regime militar, acaba por promover, também, a exclusão de todos aqueles que pegaram em armas contra a ditadura e dos que, nesse diapasão praticaram crimes conexos (terrorismo, seqüestro, assalto, atentado...). Com efeito, a abrangência estreita do art. 8º do ADCT – sem remissão às normas anteriores – implicaria a nulidade de muitas reparações concedidas pela Comissão da Anistia do Ministério da Justiça, com a respectiva restituição aos cofres públicos e a punição dos responsáveis pelos atos de liberalidade.  E, dependendo de uma conceituação altamente subjetiva e polissêmica do que se entenda por terrorismo e democracia, na interpretação conforme do disposto no art. 5º, incisos XLIII e XLIV (CF), colocaria ao alvo de persecução e condenação criminais, pelos atos notórios de sua biografia pregressa, tipificáveis em tese como imprescritíveis e inafiançáveis, brasileiros ilustres e reconhecidas lideranças políticas, entre os quais a Presidente Dilma Roussef.
Essa intencionalidade escusa, e a inconsistência político-jurídica subjacente, não devem passar. Encontrarão, por certo, cerrada resistência na cidadania brasileira, tanto entre os eleitores do atual governo, como entre os seus opositores nas urnas de 2010.

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